Projetos de Anos Anteriores: 2011 - 2020

2011

Navegantes e Aventureiros: Navegar é Preciso

Conhecer, transformar, ampliar o sentido da afirmação de navegadores, tão conhecida a partir do poema de Fernando Pessoa. Esse é o convite aos alunos, pais e professores da Sá Pereira.

 

Navegar é preciso

 

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

“Navegar é preciso; viver não é preciso”.

 

Quero para mim o espírito [d]esta frase,

transformada a forma para a casar como eu sou:

 

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.

Só quero torná-la grande,

ainda que para isso tenha de ser o meu corpo

e a (minha alma) a lenha desse fogo.

 

Só quero torná-la de toda a humanidade;

ainda que para isso tenha de a perder como minha.

Cada vez mais assim penso.

 

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue

o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir

para a evolução da humanidade.

 

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

 

Fernando Pessoa

 

Começando a jornada, a pergunta:

Como navegar sem viver? Não seria o viver o próprio navegar, um a razão do outro?

Há quem entenda o navegar não como uma necessidade, mas como um ofício orientado pelo cálculo, pelo planejamento e pela exatidão, diferente da vida que, por mais que seja planejada e projetada, jamais será exata e previsível.

Que sentidos têm em comum as viagens de Marco Polo, Hans Staden, Ulisses, Heródoto, Rondon, Bartolomeu Dias, Thomas Ender, Amyr Klink, Cristóvão Colombo, Frans Post, Darwin, Martim Afonso de Sousa, Robinson Crusoé, Albert Eckhout, Langsdorff, Taunay, Lévi-Strauss, Gagarin, Pierre d’Amiens, Zhou Di, Eistein, Rugendas?

Não terá sido apenas a vida, com suas indagações, anseios e paixões, o que tinham em comum?

Cientistas, artistas, navegadores, aventureiros, peregrinos, exploradores compartilham a característica de serem ou terem sido viajantes.

Mas quem são os viajantes de hoje? Apenas os turistas ou todos aqueles que, de uma forma ou de outra, embarcaram na busca de respostas às perguntas de nossos antepassados?

Através do fazer científico, artístico, político, religioso, muitos viajantes traçaram rotas e rumos, percorreram caminhos, cruzaram territórios em busca do desconhecido. Saíram de suas terras, de seus gabinetes, laboratórios, ateliês para ver o mundo com seus próprios olhos e criar histórias e memórias que se tornaram patrimônio de todos nós.

Conhecer os relatos dessas viagens nos faz um pouco viajantes. E nos coloca diante de muitos saberes construídos ao longo da história, de realizações de diversas épocas e culturas, de conhecimentos de inúmeras disciplinas. Somos convidados a navegar, não só com a imaginação ou virtualmente, mas no mundo real, em busca da compreensão do que pode, a princípio, nos parecer diferente, exótico, estrangeiro, e também do que, já estando em nós, ainda não conhecemos.

A curiosidade, o desejo, a disposição e a coragem do viajante são as atitudes necessárias para as descobertas e aprendizagens.

As habilidades de planejamento, observação, registro e sistematização expressas em suas experiências talvez possam ser bons modelos para a formação de novos pesquisadores e viajantes.

Um olhar crítico sobre suas formas de compreender o mundo pode nos tornar capazes de atitudes mais flexíveis de interação e diálogo.

Vamos estudar os navegadores antigos para reconhecer os navegadores de hoje?

Navegar é preciso! Vamos, juntos, nessa aventura.

 

2012

O Bicho Inventor

“O homem é um grande inventor de coisas,

e a história do homem na Terra não passa da história das suas invenções com todas as consequências que elas trouxeram para a vida humana”

 

Monteiro Lobato, História das Invenções, 1935



O que impulsiona o homem a inventar? A curiosidade? O desejo? A necessidade? Como surgem a imaginação, as ideias, a tendência a mudar, transformar, inovar?

 

Essas perguntas pretendem construir o entendimento de que, desde o início, o homem se utilizou de dois impulsos básicos: o reprodutor, baseado na memória e o criador, ou combinador, que não se limita a reproduzir fatos ou impressões mas cria novas imagens e ações. Além da natureza, de que fazemos parte, tudo o que nos rodeia é cultura, produto da relação desses dois impulsos. Assim, o processo de criação é resultado das possibilidades de combinação do antigo com o novo.

 

Esse processo não é, portanto, privilégio de pessoas especiais, dotadas de talento, artistas reconhecidos e cientistas famosos, mas característica de todo ser humano que imagina, combina, modifica e cria. Os dois impulsos, reprodutor – vindo de experiências anteriores – e o criador – decorrente da fantasia, da imaginação – se apoiam mutuamente e são influenciados pela experiência pessoal, pelo contexto histórico, pelo ambiente, o que nos faz acreditar que nenhuma criação é individual. É portadora do legado de todas as invenções e criações humanas anteriores.

 

Ninguém sabe quando foi, exatamente, que os mais antigos ancestrais do homem descobriram meios de gerar fogo e quando desenvolveram a linguagem. Mas a partir desses dois importantes acontecimentos o homem expandiu suas possibilidades de criação e deu um passo significativo no seu processo de evolução. O fogo foi, talvez, o marco mais importante para evolução tecnológica, para a busca de instrumentos externos ao seu corpo que ampliassem sua capacidade de ação no mundo à sua volta. A palavra, o poder de se comunicar, de organizar seus pensamentos e sentimentos através de símbolos representou o elo definitivo entre o mortal e o divino, entre o concreto e o imaginário, entre o eu solitário e o coletivo.

 

É nessa interação com o outro que todo o conhecimento foi se construindo, provocando consequências diversas à vida humana e trazendo inúmeras conquistas. Mas não podemos fazer um elogio acrítico à evolução e ao progresso. “O homem sempre viveu em guerra, de modo que as invenções para melhorar a “mão que mata” foram inúmeras”. (Lobato)

 

Além dos aspectos destruidores, precisamos levar em conta que o próprio desenvolvimento científico não se dá linearmente, na acumulação causal dos acontecimentos ou na superioridade do presente e do futuro em relação ao passado. As elaborações e os ideais científicos são descontínuos. As teorias não são consequência de uma forma mais evoluída, mais progressiva ou melhor de fazer ciência, e sim “resultado de diferentes maneiras de conhecer e construir os objetos científicos, de elaborar métodos e inventar tecnologias” (Chaui)

 

Esperamos, com esse Projeto, mostrar às crianças que é preciso convocar o homem a assumir sua responsabilidade nas relações diretas com os outros e com o meio ambiente com os quais interage produzindo cultura. Pretendemos fazê-las compreender que o contexto que faz emergir cada inovação e criação humana, assim como suas possibilidades de transformação do mundo, é resultado de ações coletivas. Com isso acreditamos favorecer uma atitude de maior comprometimento com o outro e com o planeta que nos abriga, além de ampliar o conhecimento que temos de nós mesmos e do mundo que nos cerca.

Este texto foi elaborado com a colaboração de vários autores, alguns citados, e com a absorção do texto de Wladimir Weltman, pai do Fransciso Weltman, nosso aluno, no fórum de pais da escola.



2013

Transformação

 

“Ninguém entra num mesmo rio uma segunda vez. Pois quando isso acontece já não se é mais o mesmo, assim como as águas que já serão outras.”

 

Heráclito



Transformação é mudança. Que mudanças? Nas formas de pensar, de viver e de ser, de se relacionar com o outro, de compreender o mundo, de produzir cultura, de se comunicar, de criar. E nas mudanças que ocorrem na natureza.

 

Entre as sugestões que recebemos, escolhemos esse tema por sua amplitude, tanto nas ciências sociais quanto nas naturais, permitindo diferentes abordagens a partir das motivações e demandas de cada turma.

 

Poderemos olhar para a Terra, estudar suas Eras, definidas por grandes transformações geológicas, biológicas e climáticas, observando as mudanças significativas que definiram a vida no planeta.

 

Poderemos estudar as grandes revoluções que transformaram os contextos históricos e culturais, redimensionando a vida em sociedade, fazendo-nos perceber as transformações que ocorreram a longo ou curto prazo.

 

Ou pensar a infância, a puberdade, a velhice como fases do desenvolvimento de todo ser humano, caracterizadas pela maturação biológica e emocional, refletindo sobre as nossas próprias transformações, as daqueles com quem nos relacionamos, percebendo nesse processo o que nos aproxima ou diferencia de outros seres vivos.

 

Vivemos um tempo acelerado. Testemunhamos mudanças cada vez mais rápidas. O que elas geram em cada um de nós? Na nossa família? Na nossa escola? Na nossa cidade? No Brasil e no mundo?

 

A revolução científica e tecnológica é um componente chave das grandes e profundas mudanças que estão ocorrendo. Mas grandes transformações devem ainda estar por vir. Para vivenciá-las é preciso transformar também a nossa maneira de pensar para atuar nesse novo mundo. Observar e compreender, por exemplo, que as transformações na história da humanidade nem sempre se dão de maneira linear e nem, necessariamente, evolutiva; que não somos passivos; e que, mesmo quando acreditamos estar inertes, somos agentes nesse processo.

 

Nesse contexto, como um indivíduo se transforma em cidadão? Como a escola pode participar levando em conta as características do processo de transformação social.

 

Acreditamos ser um tema capaz de contemplar os anseios e interesses tanto da Educação Infantil quanto do Fundamental e de aproximar as crianças da reflexão filosófica de Heráclito:

 

“nada é permanente, exceto a mudança”

 

2014

Você tem fome de quê?

O que nos alimenta? Comida é arte ou necessidade? O que é comida? Qual a sua história? Ela está na mesa, na cozinha de quem? O que é fome e quem tem fome? Comida é poder? Quem são as pessoas envolvidas em sua produção? Por que há quem a desperdice e, por outro lado, tantos necessitados? O que determina tamanha diversidade no consumo, nos hábitos, na compreensão do que seja qualidade? Como nosso bem-estar e nossa saúde estão subordinados a ela?

No dicionário Aurélio, a palavra comida significa o que se come, o que é próprio para se comer, alimento, refeição. Para uns, uma prática sagrada, um ritual cotidiano com lugar certo e hora marcada; para outros, um instrumento político que regula a produção e o consumo. Porém, o que mais nos chama a atenção são seus desdobramentos sociais: o que é a política da fome no espaço e no tempo? O que é a fome crônica, epidêmica ou endêmica?

Como algo cultural, a comida é mediada pelas fronteiras dos costumes e tradições étnicas. Vatapá, feijoada, churrasco, macarronada, tapioca, caldeirada, sushi, sashimi, tacacá e tucupi dão o tom dos limites territoriais e das heranças indígena, africana, europeia e de outros povos imigrantes que tanto contribuíram para a formação do nosso povo e da nossa cultura. Mas hábitos alimentares também determinam status, modas e orientações estéticas que sobrevalorizam o ser ou o não ser, o ter ou o não ter, o fazer ou o não fazer na vida em sociedade.

A alimentação passou por várias etapas ao longo do desenvolvimento humano. Quanto ela se transformou da vida do nômade caçador e coletor à do homem sedentário? Quando se descobriu a importância da agricultura e da domesticação dos animais? Que mudanças ocorreram em nossos hábitos alimentares cotidianos, civilizatórios? Receitas, ingredientes e modos de preparo guardam uma história coletiva, mas também individual para se contar. Quem não guarda na memória um sabor da infância?

Nossos antepassados enfrentaram dificuldades para se alimentar e buscaram soluções criativas para sua sobrevivência. Como e quando surgiram os utensílios da cozinha? Todas as culturas os utilizam? Comem da mesma maneira? Alimentam-se das mesmas coisas? Em que momento a alimentação passou da escala artesanal para a industrial?

O prazer proporcionado pela comida é um fator importante depois da alimentação de sobrevivência. A gastronomia nasceu desse prazer e constituiu-se como a arte de cozinhar e associar os alimentos para deles retirar o máximo benefício. Mas esse prazer também se relaciona a padrões de beleza que se transformaram ao longo da história produzindo diferentes representações e identificações, assim como padrões estéticos. Fartura, carência, dieta, obesidade, anorexia, alimentação saudável, fast food fazem parte de nossas vidas.

Será que somos o que comemos? Será que o ambiente nos influencia? Os aspectos geográficos e o clima influenciam a agricultura, a pecuária e a produção dos alimentos para os homens e os animais. Dessa forma, vale refletir sobre as mudanças climáticas, os processos migratórios, os reflexos do desenvolvimento científico e dos avanços da tecnologia para a sua produção. Será que o veneno está em nossa mesa?

Reforma agrária, segurança alimentar, restaurantes populares, missões humanitárias, Fome Zero, desmatamento, agrotóxicos, transgênicos, que conflitos implicam? Como buscar soluções que possam matar a fome de todos e, ao mesmo tempo, preservar a natureza, a harmonia da atividade humana com a conservação da biodiversidade, promovendo o uso racional dos recursos naturais em benefício dos cidadãos de hoje e das futuras gerações?

Convidamos nossos alunos, pais e professores a buscar respostas para essas e tantas outras perguntas que nos ajudem a compreender qual o valor da alimentação para a humanidade.

 

2015

Pedra sobre Pedra, um Mundo em Construção

Os sinais do homem construtor são encontrados desde os vestígios das fogueiras, construções efêmeras, das pinturas rupestres e dos primeiros utensílios para os mais variados fins.

 

A casa, primeiramente encontrada pronta, nas cavernas e recantos nos sopés das montanhas, passou pelas cabanas de palha, gravetos e ossos, começando a ser construída, verdadeiramente, quando o homem aprendeu a plantar e a criar animais. Assim ele começou a imprimir sua marca na superfície terrestre.

 

São milhares de anos de história na busca de estruturas que de início visavam apenas proporcionar proteção contra os elementos do ambiente, mas que foram ganhando diferentes funções e atributos estéticos a partir da necessidade humana de fazer arte. Da casa para os templos, para os palácios, para as fortalezas. As construções vêm sendo utilizadas para unir o homem ao homem e aos deuses; ao mesmo tempo que vêm sendo utilizadas para separar os homens e para a defesa dos diferentes.

 

São milhares de anos de construções que possibilitaram os encontros, as trocas, o amor, a reverência ao divino, a busca da liberdade, mas também a segregação, a guerra e a dominação dos povos.

 

São, hoje, moradias, prédios comerciais, indústrias, usinas, ruas, estradas, viadutos, pontes, túneis, muros, templos, aparelhos culturais e de infraestrutura, monumentos, praças, parques, instrumentos de comunicação…

 

Espaços que ocupamos e transformamos, locais onde estamos; a base física de nossas alegrias e tristezas, decepções e esperanças.

 

Suas transformações unem o nosso passado ao nosso futuro. O aqueduto que atendia a cidade é hoje o caminho do bondinho que, novo, já virou antigo. As construções encerram a marca de cada tempo, passado e futuro e, simultaneamente, são o nosso presente.

 

Da nossa janela vemos muito. Alguns podem até ver o mar, as montanhas! Mas sempre vemos gente, passeando, trabalhando… Vemo-nos transformando e em transformação, adaptando-nos, construindo…

 

Mas o que é uma construção? O que está em estado natural e o que foi construído pelo homem? Que construções conhecemos em nossa cidade? Quem as constrói? Para que servem? Por que elas têm aspectos tão diferentes? Que materiais são usados para construir? Por que algumas são demolidas e outras preservadas? O que é um monumento? O que há no caminho de casa?

 

Precisamos pensar sobre o espaço em que vivemos e o espaço que queremos. Observar nossa cidade e suas contradições, defender sua dimensão pública, pois não existe cidade que possa funcionar quando suas qualidades são privilégio de poucos.

 

Precisamos nos engajar num processo de democratização do espaço urbano, desejar uma cidade para todos.

 

Precisamos entender o que estamos recebendo, que mensagens encerram nessas construções, para tentar descobrir o que queremos e o que poderemos deixar.

 

O que será que precisamos construir?

 

2016

Nós: saber conviver, saber cuidar

 

“Nosso belo dever é imaginar que há um labirinto e um fio.”

  1. L. Borges

 

Se olharmos o labirinto como o nosso mundo, repleto de caminhos e versões, crenças e dúvidas e pensarmos o fio como o conjunto de crenças que nos orientam em nosso caminhar, poderemos ouvir, no que está atrás, os clamores e gritos dos que nos precederam.

 

Alguns são claros e relativamente recentes. Um nos exorta à “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Mais forte, ali, era o clamor pela Liberdade. Depois de uma mortandade quase nunca vista na história humana, ouvimos que “Todos os homens nascem iguais…” Nesses dois momentos, reacendida a esperança, acreditamos estar entrando em um novo tempo, nos aproximando da paz, de um mundo mais justo.

 

Não desapareceram nem o labirinto nem o fio e, apesar das declarações, percebemos o que não havia deixado de existir. Os conflitos, as guerras, a fome, as migrações, os sem pátria, as discriminações de cor, gênero, religião, pensamento, os fanatismos que acreditam que fins justificam meios.

Assim, constatamos que a  liberdade e a igualdade ainda eram sonhos e a fraternidade uma promessa fugidia.

 

Hoje, bem onde estamos, perdidos nos desvãos de nosso labirinto, torna-se mais nítida uma outra variável. O local onde vivemos, que sempre consideramos feito para nos proteger e servir, com seus recursos que nos pareciam infinitos, começa a dar visíveis sinais de que não suportará esse nosso caminhar. A diversidade de espécies e a estabilidade do clima estão ameaçadas. Nós, humanos, que sempre dependemos delas, nos descobrimos parte inseparável dessa rica biodiversidade que habita o planeta. Um sistema integrado de vidas interdependentes.

 

Acreditamos que pertencemos uns aos outros. Possuímos a capacidade de criar uma multiplicidade de culturas, de fazer escolhas, de transformar. Nossas ações podem fazer a diferença. Mas para isso precisaremos criar um compromisso verdadeiro com todas as formas de vida.

 

Vamos precisar aprender a desatar os nós. A conviver e a saber cuidar. Precisaremos desenvolver a curiosidade, o senso de justiça, a aptidão para imaginar a vida na pele de cada um dos outros, humanos ou não.

 

Precisaremos criar um compromisso com a vida e lutar contra as agressões a ela, de onde quer que venham. Conhecer nossos direitos, mas, principalmente, nossos deveres. Exercer uma cidadania pautada numa ética, consciência e solidariedade planetárias.

 

É o nosso convite a todos que convivemos na Sá Pereira: fazer, a cada dia, a possibilidade de um novo amanhã.

 

“É tão bonito quando a gente entende,

que a gente é tanta gente,

onde quer que a gente vá.

E é tão bonito quando a gente sente,

que nunca está sozinho,

por mais que pense estar.”

 

Gonzaguinha.

 

2017

Zoom: diferentes formas de ver e experimentar o mundo

…Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim

falou que só sabia que não sabia de nada.

Não tinha as certezas científicas.

Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza.

Aprendeu que as folhas das árvores

servem para nos ensinar a cair sem alardes…

Estudara nos livros demais.

Porém aprendia melhor no ver,

no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar…

 

Manoel de Barros




Queremos abrir as portas para que as crianças olhem e aprendam a enxergar para além das coisas simples. Que desejem sair em busca de novos conhecimentos. Que descubram que, entre outros saberes, da nossa janela podemos ver o mundo todo.

 

Com sua postura investigativa nata, a criança busca, muito cedo, descobrir como funciona o ambiente à sua volta. Neste ano, nossos esforços de estudo e pesquisa serão para tentar compreender como as diferentes formas de conhecimento formulam ideias e explicações sobre o surgimento do universo, a origem da vida, os fenômenos da natureza, a ocupação e o impacto humano na paisagem natural, as questões ambientais e suas implicações econômicas e de sustentabilidade.

 

Nesse percurso, colocaremos, também, foco na capacidade criativa do ser humano. Tentaremos perceber como interferiu nesse processo, construindo tecnologias que serviram para destruir e segregar, mas também para promover e proteger a vida. Vamos refletir sobre como essa tecnologia poderá proteger a humanidade e o planeta, nos livrando da fome, das doenças e das guerras, sem desestabilizar o equilíbrio ecológico.

 

Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Quem nos ajuda a responder a essas questões? Como os saberes científico, mitológico, teológico, artístico, empírico e filosófico observam, experimentam e tentam explicar o mundo? Como os saberes dos povos tradicionais, profundamente atrelados à natureza, responderam e respondem a essas questões? Como as crianças criam hipóteses tão originais na busca dessas respostas? E, especificamente, o conhecimento científico: o que é? De onde vem? Como foi e é produzido? Para onde nos conduz?

 

Queremos valorizar o estudo das ciências da natureza. Vamos investigar a história do conhecimento científico e sua relação com outras formas de conhecer e de ver o mundo. Vamos retornar a perguntas que impulsionaram a humanidade a construir conhecimentos complexos e a transformá-los na forma de poder difundida na sociedade moderna. Vamos questionar por que a ciência moderna surge e se afirma como pensamento universal, sem considerar outras formas de conhecimento, culturas e povos, a não ser como objetos de estudo e pesquisa.

 

Os atuais desafios que a humanidade enfrenta, de ordem política, econômica, social ou ecológica, não exigiriam a abertura do conhecimento científico para um efetivo diálogo entre saberes, favorecendo perspectivas diferentes e complementares e novas dimensões para compreender o mundo?

 

Num jogo de combinação de escalas, a palavra zoom nos convida a articular o local e o global, a visão ampla e de conjunto. Atentos e curiosos, queremos olhar sob diferentes ângulos utilizando microscópios e telescópios, buscando nos aproximar, perceber e conhecer o que nos parece invisível e imperceptível. Inclusive o outro.

 

2018

Da Cabeça aos Pés: que Histórias o Corpo Conta?

O que um corpo sente, expressa, reflete, informa? Como se constitui e funciona? O que é um corpo?

Tentar responder a essas perguntas nos obrigará a dar um mergulho nas ideias, produções e emoções humanas. E nos fará dialogar com inúmeras áreas do conhecimento.

 

O que dá sentido ao corpo não são suas partes, mas sua constituição como totalidade que ganha sentido nas relações e no diálogo com o mundo, com os outros.

 

São essas relações que deixam marcas, memórias, histórias. Nessas interações, o corpo ganha significado e se transforma ao vivenciar afetos, agressões, sensações, motivações, regras, leis, imposições, espaços e tempo.

 

Herança genética, desenvolvimento e finitude, liberdade e coerção, peculiaridades do contexto cultural, social e histórico; são inúmeros os determinantes que interferem em sua forma, trajetória, gestos, postura, aparência, expressão, impulsos, pulsões, existência.

Diferentes origens afetadas por contextos que educam o corpo num tempo.

 

De um corpo indivíduo, que carrega uma identidade própria, passamos a um corpo coletivo, constituindo diferentes grupos, populações, ganhando novos sentidos e potência.

 

Assim, o corpo é um texto a ser lido.

 

As crianças e os adolescentes sempre nos trazem suas curiosidades e inquietações sobre o tema. Desde a Educação Infantil até o Fundamental II.

 

Para os bem pequenos, quando a ação importa um pouco mais que a reflexão, o corpo é um lugar de percepção de si mesmo e de descoberta do mundo. Pelos sentidos… olhar, escutar, tocar, cheirar, saborear; e também pelo movimento e pela atenção aos detalhes, é possível conhecer, perceber, cuidar do próprio corpo, construir sua identidade e interagir com o outro através da brincadeira, do jogo, da imitação, da criação e experimentação de todas as artes.

 

Para os mais crescidos, com a possibilidade de maior aprofundamento, poderemos pensar no corpo como objeto central de conhecimento, analisar suas diferentes representações na arte, as situações de dominação, exploração e resistência ao longo da história, em diferentes culturas. Visitaremos as discussões contemporâneas que apontam para um corpo idealizado, fabricado, cuja aparência é, muitas vezes, imposta por modelos midiáticos. Entre muitos caminhos e abordagens possíveis, refletiremos sobre as questões de gênero e sexualidade que tomaram as discussões sobre a arte e a educação na sociedade contemporânea, sempre buscando o diálogo com os conteúdos das disciplinas escolares, criando contextos significativos de aprendizagem e novas narrativas.

 

Está aí nosso desafio. Nós mesmos, o nosso corpo, o corpo humano, suas histórias como tema de estudo.

 

Ampliaremos as discussões, entendendo o corpo como um sistema, seja na dimensão biológica, cultural, social, histórica… E no diálogo entre estas.

 

2019

Conversa Vai, Conversa Vem: com a Palavra Você Também!

O que é comunicação? O que é linguagem? Em que diferem? Os primeiros sistemas criados prescindiam do aparelho vocal? Como se dá a comunicação não verbal? Como nos comunicamos através do corpo? Qual a importância da palavra, o poder da fala e da escuta nas interações humanas? De que forma a escrita alterou a função original da memória e que compensações ela trouxe para a humanidade? Como as tecnologias vêm interferindo nesse desenvolvimento desde a pré-história aos nossos tempos pós-modernos, dos hieróglifos aos bytes, da prensa ao computador, da arte rupestre às produções multimídia, das mensagens de fumaça às ondas invisíveis? Será que a comunicação é um privilégio dos humanos? Ou os outros seres vivos também se comunicam? Se sim, quais as características e diferenças dos sistemas utilizados? São intermináveis as questões e inúmeras as hipóteses, o que nos faz perceber a complexidade do assunto.

 

Convidamos toda a comunidade escolar a pensar, refletir e pesquisar esse fenômeno; desvendar seus enigmas, dinâmicas e a importância do ato, do processo e da arte de comunicar. Queremos pensar a comunicação como algo que pode valorizar o encontro de diferentes sujeitos; o diálogo na resolução de problemas; a escuta afetiva e a produção coletiva de sentidos. Precisamos pensar em formas de produzir com nossas crianças, jovens e adultos uma comunicação dialógica que contribua para a construção de conhecimentos, em detrimento da mera reprodução de informações, muitas vezes marcadas pela falta de fundamento, argumento e método.

 

Vivemos um mundo preenchido de tecnologias e meios para nos comunicar. Recebemos diariamente uma avalanche de informações para processar. Porém, cada vez mais, sentimo-nos inseguros em relação à veracidade e à legitimidade dessas informações. Como criar critérios para ler e interpretar o mundo? Como avaliar as informações que circulam na mídia? Como nos proteger das falsas informações que muitas vezes produzem ruídos, conflitos, exclusões, preconceitos e juízos equivocados, afetando as relações e fortalecendo as estruturas hierárquicas de poder?

 

A comunicação transmissional ou informacional, hegemonicamente ensinada e praticada nas escolas e nos tradicionais meios de comunicação, parte do pressuposto de que existe um emissor, detentor do saber, e um receptor, que muitas vezes está em lugar passivo.

 

Na Sá Pereira, acreditamos que o sentido da comunicação não se restringe a uma informação corretamente compreendida e aceita, mas a uma construção resultante das relações entre os indivíduos e entre os diferentes grupos. O exercício do livre pensamento e a convivência democrática nos conduzem ao reconhecimento do outro e do seu direito à participação comunicacional ativa; ao respeito às diferenças e à diversidade, sem minimizar a importância do rigor científico.

 

Os grandes debates das ciências e a forma como essas teorias foram e são divulgadas certamente poderão ser revisitados nesse percurso de estudo e pesquisa, lembrando sempre que os caminhos da razão e da fé podem ser paralelos, mas nunca misturados ou confundidos.

 

Nossos desafios serão entender a comunicação como um direito humano fundamental; compreender o diálogo como caminho para a construção de uma sociedade democrática; e investigar a comunicação como um construto resultante das trocas humanas. Ouvir, escutar, falar, conversar envolvem dois ou mais sujeitos que querem construir histórias, memórias e práticas. Precisamos entender quais histórias, memórias e práticas são essas.

 

Por meio da palavra compartilhada, da fala em diálogo, dos gestos acolhedores, do olhar curioso, da escuta que busca compreender o outro, da imagem, das artes, da literatura, da brincadeira, do modo de nos vestir e de agir no mundo, podemos nos comunicar, nos expressar e caminhar para uma sociedade com encontros mais respeitosos e mais humanos.

 

2020

Urgente! Cuidar da Terra é cuidar da gente

O que é meio ambiente? Por que o meio ambiente é essencial à vida? Quais são as causas dos problemas ambientais? Quais são as consequências da destruição do meio ambiente? É possível reverter e recuperar os danos já causados? Quem se responsabiliza por eles e por trazer soluções? Como as próximas gerações viverão? Qual será o futuro do nosso planeta? É possível viver em sintonia com o meio ambiente? É possível haver justiça ecológica que combine com justiça social?

 

A partir dessas perguntas levantadas por nossas crianças e jovens estudantes, propomo-nos a abraçar as questões ambientais como tema do Projeto Institucional para pensar e agir sobre as nossas práticas e a criar estratégias individuais e coletivas de conscientização e transformação.

 

“Cuidar da Terra é cuidar da gente” significa reconhecer o ser humano como parte integrante da natureza, numa relação de interdependência com tudo que é vivo. Para Leonardo Boff, vivemos uma crise civilizatória. “Para sair desta crise, precisamos de uma nova ética. Ela deve nascer de algo essencial no ser humano. É próprio do ser humano colocar cuidado em tudo o que faz. Se não colocar cuidado, as coisas se desmantelam e desaparecem. Tudo que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e a viver: uma planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra. A ótica do cuidado funda uma nova ética, compreensível a todos e capaz de inspirar valores e atitudes fundamentais para a fase planetária da humanidade.”

 

O comportamento predatório das grandes corporações e Estados vem comprometendo a preservação, a conservação e o consumo dos recursos naturais. Os modelos de industrialização e de crescimento econômico precisam ser repensados. A ocupação desordenada dos espaços urbano e rural, a exploração não sustentável dos biomas naturais, a distribuição desigual das terras e das riquezas, a fome e a miséria, o acesso restrito ao saneamento básico, à saúde e à educação, os problemas monumentais, como as mudanças climáticas, a poluição do ar, dos rios e oceanos, a extinção das espécies são impactos da ação humana que não serão solucionados, como sabemos, apenas por ações individuais. Acreditamos que uma visão macro e integradora e um conjunto de interesses e ações políticas são imprescindíveis para lidar com essa crise civilizatória.

 

Observamos que os ambientes naturais são, em sua essência, espaços educadores. É fácil constatar que as crianças de cidades grandes estão cada vez mais desconectadas dos espaços verdes. Segundo Richard Louv, elas sofrem um “déficit de natureza”, termo que criou para alertar sobre esse afastamento. Com esse projeto pretendemos ajudar as crianças e os jovens a se reconectarem com a natureza e com eles mesmos, estabelecendo uma nova relação de pertencimento e convívio, promovendo não apenas a contemplação, mas a experimentação corporal e sensorial dos elementos naturais, aguçando a curiosidade de forma lúdica e prazerosa.

 

Gostaríamos de favorecer a construção de uma nova ética que defenda o aproveitamento sustentável dos ecossistemas, respeitando seus ciclos e capacidades, tendo como referência a relação que os povos originários mantêm com a natureza como essência de vida.

 

Repensar o papel da tecnologia nas soluções sustentáveis; trazer, num viés propositivo, iniciativas de sucesso e abordagens construtivas do que se pode fazer nos âmbitos individual e coletivo, público e privado. Exercitar ações contra o desperdício, buscando reduzir o consumo, procurando reciclar e reutilizar os diferentes recursos e materiais. Apresentar a agroecologia, a agricultura orgânica, a alimentação saudável, a bioenergia e as demais energias alternativas, o tratamento de resíduos, entre outras formas de (des)envolvimento como possíveis ações transformadoras na busca do bem-estar e da saúde de todos. Conscientizar sobre a importância da atitude cidadã na luta pelos direitos humanos e da natureza.

 

Eduardo Gudynas, em Direitos da Natureza, propõe que os direitos dos seres vivos sejam localizados em um mesmo nível que os direitos humanos: “a aprovação dos direitos humanos e das outras espécies é uma responsabilidade mundial que transcende todas as fronteiras geográficas, culturais e ideológicas”.

 

Essa argumentação valoriza todas as espécies e os ecossistemas, reposicionando os seres humanos na teia da vida. Leva-nos a refletir sobre o conceito de antropoceno, época na qual a humanidade modificou o planeta Terra de forma tão intensa, substituindo a natureza como a força ambiental dominante na Terra.

Agora, a natureza chama. Vamos juntos responder?